sábado, 19 de abril de 2014

Que bonita é a nossa vocação de cristãos – de filhos de Deus!


Dá muitas graças a Jesus, porque por Ele, com Ele e n'Ele, tu podes chamar-te filho de Deus.

Se nos sentimos filhos predilectos do nosso Pai dos Céus – é o que somos! –, como é que não estamos sempre alegres? Pensa bem nisto.

Que bonita é a nossa vocação de cristãos – de filhos de Deus! –, que nos dá na terra a alegria e a paz que o mundo não pode dar!

Ut in gratiarum semper actione maneamus! Meu Deus, obrigado, obrigado por tudo: pelo que me contraria, pelo que não entendo, pelo que me faz sofrer.

Os golpes são necessários, para arrancar o que sobra do grande bloco de mármore. Assim esculpe Deus nas almas a imagem do Seu Filho. Agradece ao Senhor essas delicadezas!

Quando os cristãos passam maus bocados, é porque não dão a esta vida todo o seu sentido divino.

Onde a mão sente a picadela dos espinhos, os olhos descobrem um ramo de rosas esplêndidas, cheias de aroma.

São Josemaría Escrivá

sábado, 12 de abril de 2014

A semente


Sempre me perguntei: por que Jesus gostava tanto de usar o exemplo da semente para oferecer os seus ensinamentos? É o semeador que sai para semear. É o grão de mostarda que, embora muito pequeno, se transformará numa árvore. É o grão de trigo que, caído na terra, deve morrer para produzir frutos.

Até a fé, suficiente para arrancar uma amoreira e plantá-la no mar, é comparada, novamente, à pequena semente de mostarda. O que tem de tão extraordinário em uma semente? Esconde um segredo: o segredo da vida. Não é algo que vem pronto, nas suas dimensões e nas suas cores. Não é um produto acabado que se pode, ou não, comprar.

Uma semente é um projeto. Um projeto escondido. Precisa que alguém acredite, confie, tome cuidado, gaste tempo e carinho. Pode dar muito fruto, como pode não dar em nada. Mas a semente, plantada em terra boa, com a chuva no tempo certo, não vai falhar.

Tenho a impressão de que, hoje, estejamos correndo o perigo de esquecer o segredo da semente. Temos pressa demais.

Por que cozinhar, se já vendem comida pronta? Por que esperar se, correndo, chego antes? Por que perder tempo para pensar, se já me oferecem a resposta antes mesmo que eu formule a pergunta? É verdade que algumas coisas facilitam o nosso dia-a-dia, porém muitas vezes perdemos a poesia do crescimento.
Custa e traz angústia a lenta aprendizagem. Todos precisamos de tempo para aprender.

Se a semente desenvolve e ganha em solidez, nós, os humanos, ganhamos em segurança, auto-estima, caráter. É verdadeiramente nosso, somente aquilo que aprendemos aos poucos, caindo e levantando, errando e acertando, como quando começamos a andar e a falar.

A pressa nunca foi boa conselheira e nem boa professora. Hoje, por culpa de nós adultos e da sociedade estressada que criamos, as crianças querem queimar etapas. Se vestem como jovens e acham que podem agir como adultos. Poderiam curtir mais a infância. No entanto, nós, adultos, não deixamos. Nós temos pressa.

O segredo da semente está, portanto, no fato de ser um projeto que está sendo construído. Aos poucos, vai se formando, tomando corpo, está sempre em movimento. Um pequeno passo por vez, com mais uma meta à sua frente para alcançar.

Também projetos não faltam na nossa sociedade. Mas, às vezes, chegam grandes demais. Começam de cima para baixo. Querem que as pessoas corram, quando mal sabem engatinhar.

Conheço um homem que vendia espetinhos na rua. Demorou anos, e hoje é dono de bom um restaurante.

Outro, fez um grande empréstimo no banco e abriu logo uma pizzaria. Rapidamente teve que vender até a casa para pagar a dívida. Quis logo a árvore, em vez de plantar uma semente e acreditar que ia crescer. Não deu certo.

Por isso Jesus ensinou que o seu Reino é como uma semente. É bom, é necessário, que comece pequeno. Porque começa lá, no fundo do coração de cada um. Começa com um bom sentimento, depois com uma certeza. A certeza se transforma em decisão; e a decisão muda a nossa vida. A decisão é um exemplo de coragem e o exemplo é sempre contagiante.

Assim, o Reino cresce e ninguém consegue contê-lo. Não vem para dominar, mas para libertar. Não cresce para sufocar. Espalha os seus ramos para acolher a todos com a sua sombra, como uma árvore frondosa, cheia de folhas, flores e frutos, tudo no tempo certo. Quem teria pensado? A semente era tão pequena!

A fé não precisa ser grande, basta que seja verdadeira.

D. Pedro José Conti

Morrer para viver mais e melhor


O sentido da vida depende do sentido que damos à morte. Se a morte é vista como simples negação da vida e como tragédia biológica, então vale o que São Paulo já dizia: "comamos e bebamos, pois amanhã morreremos".

Mas há culturas que lhe deram um sentido mais alto. Ela é oportunidade de construir o próprio destino e de plasmar o mundo à nossa volta consoante um projeto civilizatório.

O cristianismo, por sua vez, propõe a sua representação da morte. Não contrária à vida, mas como uma invenção inteligente da vida para poder dar um mergulho radical na Fonte de toda vida. A morte não seria um fim-termo; mas, um fim-meta alcançado, um peregrinar rumo ao Grande Útero paternal e maternal que enfim nos acolherá definitivamente.

Dentro do cristianismo desenvolveu-se, com referência à morte, uma tradição de grande significação e de sentido de festa. Trata-se da tradição franciscana. Francisco de Assis conseguira uma reconciliação bem sucedida com todas as coisas, com as profundezas mais obscuras de nossa vida e com suas dimensões mais luminosas. Cantava a morte como irmã. Não como bruxa que nos vem arrebatar a vida, mas como irmã que nos introduz no reino da plena liberdade. Morreu cantando salmos e cantigas de amor da Provence.
Os franciscanos todos guardam esta herança sagrada na forma como celebram a morte de algum confrade, membro da comunidade. A mim, com frade (que ainda sou em espírito) me tocou vivenciá-lo inúmeras vezes. É simplesmente comovedor - uma pequena antecipação do novo céu e da nova Terra - dentro deste já cansado planeta. Ao se aproximar a morte do confrade, toda a comunidade se reúne ao redor de seu leito. Recitam-se salmos e orações, infundindo confiança ao moribundo para o Grande Encontro. No dia em que morre, à noite faz-se festa. É a chamada "recreação". Ai há confraternização, comida, bebida, comentários sobre a saga pessoal do confrade falecido e jogos de vários tipos.

No dia seguinte faz-se o enterro. E à noite, nova "recreação" festiva. O que se esconde atrás desse rito de passagem? Esconde-se a crença de que a morte é o vere dies natalis, o verdadeiro Natal da pessoa, o momento em que acaba de nascer definitivamente. Como não estamos ainda prontos, embora inteiros, cada dia vamos nascendo, progressivamente, até acabar de nascer. Isso se dá na morte. Esta não é a campa da vida. É seu berço. Quem pode se entristecer com o nascimento da vida? É Natal e Páscoa, magnificação da vida mortal que a partir da morte se eterniza. Portanto, há bons motivos para festejar e celebrar.

O efeito desta compreensão é a desdramatização da morte e a jovialidade da vida. A vida não foi criada para terminar na morte, mas para se transformar através da morte. Esta representa aquele momento alquímico de passagem para uma outra ordem de realidade, onde a vida pode continuar sua trajetória de expressão das infinitas possibilidades que contem, até aquela de poder se fundir com a Suprema Realidade.

Então podemos dizer: não vivemos para morrer. Morremos para viver mais. Melhor ainda: para permitir a ressurreição da carne que é a revolução dentro da evolução.

Leonardo Boff