terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Parábola - A sentinela


Era uma vez uma pequena e antiga povoação, presidida por um castelo ainda mais velho, que estavam situados na fronteira de um país distante, ao lado de um grande deserto. Tanto o povo como o castelo eram muito tristes, porque raramente passava alguém perto deles. De vez em quando pernoitavam por ali estranhas caravanas ou viajantes solitários, mas, no fim de descansarem e de se alimentarem, partiam de novo, deixando os habitantes da povoaçãozita e do castelo com a sua tristeza.

E assim, até que um dia chegou um mensageiro do rei da nação e informou de que, na corte, se tinham recebido noticias de que Deus em pessoa vinha àquele País, se bem que, ainda não se soubessem que cidades e zonas visitaria. Mas era provável ou, pelo menos, possível que passasse pela nossa povoaçãozita. Por isso, o povo e o castelo deviam preparar-se para receber Deus tal como Ele merecia.

Isto encheu de entusiasmo as autoridades, que mandaram reparar as ruas, limpar as fachadas, construir arcos triunfais, encher de tapeçarias e colgaduras as varandas. E, sobretudo, nomearam como sentinela o habitante mais nobre da aldeia. Esta sentinela tinha como obrigação viver na torre mais alta do castelo e dali olhar constantemente o horizonte, para dar logo que possível a notícia da chegada de Deus.

A sentinela recebeu o encargo com orgulho: nunca em sua vida tinha feito algo tão importante. E dispôs-se a permanecer firme na torre com os olhos bem abertos. “Como será Deus”? perguntava a si mesmo. “E como virá? Talvez com um grande exército? Quem sabe se com uma corte de carros majestosos"? Nesse caso, dizia-se, será fácil adivinhar a sua chegada quando ainda estiver longe.

Durante as vinte e quatro horas do dia e da noite não pensava noutra coisa, permanecia em pé e com os olhos bem abertos. Mas, tendo passado alguns dias e noites, o sono começou a importuná-lo e pensou que não aconteceria nada se desse umas “cabeçadas” porque, como Deus viria precedido por som de trombetas, nesse caso, despertaria.

Passaram não só dias, mas também semanas e, as pessoas da pequena povoação regressaram à sua vida diária e começou a esquecer-se a vinda de Deus. A próprio sentinela dormia já tranquila as noites inteiras e nem se dedicava a pensar só naquela espera porque pensava em todas as outras coisas.

Passaram não só as semanas, mas também os meses e inclusive os anos e ninguém na povoação ligava importância àquele anúncio. Inclusive, num ano de muita fome, a povoação foi desfilando, uns atrás dos outros para terras mais prósperas. Ficou só a sentinela, ainda na torre, esperando com uma esperança muito débil. Passaram exércitos e caravanas que, por uns momentos, alumiavam os seus sonhos, mas nenhum era o exército ou as caravanas de Deus.

E a sentinela começou a pensar: “Para que vem Deus? Este povo nunca teve interesse nenhum e agora, sem quase ninguém, muito menos. Se viesse porque ficaria precisamente neste castelo tão insignificante? Mas, como lhe deram essa ordem e como essa ordem lhe tinha levantado a esperança, a sua decisão de permanecer era mais forte que as suas dúvidas.

Até que uma vez, deu-se conta de que, com o passar dos dias e dos anos, estava a envelhecer e as suas pernas resistiam a subir as escadas da torre. Sentia os seus olhos fecharem-se de cansaço, apenas via a morte a aproximar-se. E não pôde evitar que da sua garganta saísse uma espécie de grito: “Passei toda a vida esperando a visita de Deus e morro sem vê-lo”. Então, justamente nesse momento, ouviu uma voz muito terna por detrás de suas costas. Uma voz que dizia: “Mas não me conheces”? Então a sentinela, mesmo sem ver nada, saltou de alegria dizendo: “Oh, já está aqui! Porque me fizeste esperar tanto? E por onde vieste que não te vi”? Ainda com maior doçura a voz respondeu: “Sempre estive perto de ti, a teu lado, mais ainda: dentro de ti. Precisaste de muitos anos para dares conta disso. Mas agora já o sabes. Este é o meu segredo: estou sempre com os que me esperam e só os que me esperaram, podem ver-me”.

Então a alma da sentinela encheu-se de alegria. Velha e quase morta, como estava, voltou a abrir os olhos e ficou olhando, amorosamente, o horizonte.

Esta é a fábula de que lhes falei ao princípio. O texto que São Lucas escreveu no capítulo 18,8 de seu Evangelho que tanto me fez tremer ao ver a paganização do Natal, é este: “Mas, quando vier o Filho do Homem, encontrará fé na terra?” Porque pode acontecer que, quando voltar, já não haja ninguém na torre.

J. LUIZ MARTIN DESCALZO

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